Contexto
Em Portugal, a transição digital no setor AECO tem vindo a avançar nos últimos anos. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que estabelece a criação de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, a necessidade dessa transição tornou-se ainda mais premente. Esta plataforma, cujo carácter obrigatório se prevê no curto prazo, tem como objetivo permitir a submissão de pedidos de procedimentos urbanísticos em formato BIM, automatizando a verificação da conformidade dos pedidos com os planos aplicáveis. Adicionalmente, esse Decreto-Lei prevê a apresentação obrigatória dos projetos de arquitetura de acordo com a metodologia BIM no médio prazo, previsivelmente em 2030. [1]
Assim, neste contexto, e com o objetivo de se preparar para estas mudanças, a Câmara Municipal de Porto de Mós iniciou o seu processo de transição digital através da implementação da metodologia BIM com o apoio do BUILT CoLAB (Figura 1).
[1] Portugal. (2024). Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro. Diário da República n.º 6/2024, Série I de 2024-01-08 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/10-2024-836222484

Fases da implementação
Com base nos princípios estruturados do guia de implementação BIM da Penn State University [1], o BUILT CoLAB desenvolveu a seguinte metodologia para a implementação do BIM na Câmara Municipal de Porto de Mós:
- Seleção inicial dos serviços-alvo com maior potencial para impulsionar a adoção da metodologia BIM.
- Análise e diagnóstico para aferir a maturidade BIM inicial da organização;
- Desenvolvimento de plano estratégico e de roadmap, onde se desenhou a melhor estratégia para a implementação, definindo objetivos e ações claras para a evolução da maturidade digital;
- Definição de plano de implementação, onde se destacam as soluções a serem implementadas para os seis pilares fundamentais: Estratégia Organizacional, Usos BIM, Processos, Informação, Infraestrutura e Recursos Humanos;
- Desenvolvimento de documentação contratual para suportar a contratação de projetos em BIM;
A metodologia seguida ao longo deste processo de implementação, foi apoiada pela realização de diversas ações de capacitação, fundamentais para garantir que as equipas envolvidas adquiriam, de forma progressiva, conhecimentos sobre metodologia BIM. Para além disso, desenvolveu-se um manual de boas práticas que reúne orientações práticas para a adoção eficaz do BIM.
Esta metodologia tem como objetivo uma adoção gradual, eficaz e eficiente tendo em conta a realidade e maturidade BIM da organização.
- Seleção dos serviços alvo
Antes de iniciar a implementação, foi necessário identificar os serviços com maior relevância e impacto na adoção da metodologia BIM. Foram selecionadas áreas como Obras Públicas, Licenciamento Urbanístico, Sistemas de Informação Geográfica (SIG), bem como o departamento de Informática, que é responsável por garantir a infraestrutura tecnológica durante todo o processo.
Neste processo, definiu-se também, em conjunto, a equipa de planeamento BIM, responsável por elaborar a estratégia de implementação, e a equipa de implementação BIM, responsável por apoiar e executar o plano de implementação (Figura 2).
[1] Messner, J., Anumba, C., Dubler, C., Goodman, S., Kasprzak, C., Kreider, R., Leicht, R., Saluja, C., Zikic, N., & Bhawani, S. (2021). BIM Project Execution Planning Guide (Version 3.0). University Park, PA: Computer Integrated Construction Research Program, Pennsylvania State University. Disponível em http://bim.psu.e du

2. Diagnóstico inicial
A estratégia de implementação foi desenhada de forma faseada e progressiva, tendo como ponto de partida um diagnóstico da maturidade BIM, que permitiu avaliar a situação real da autarquia. Este processo fundamentado garantiu uma abordagem orientada à prática, alinhada com a realidade do município, e centrada em tópicos concretos para alcançar o nível de maturidade BIM desejado.
Nesta fase, realizou-se um workshop (Figura 3), onde, em conjunto com os colaboradores dos serviços-alvo, se identificou o ponto de partida da organização em relação à metodologia BIM.
Adicionalmente, realizou-se uma sessão de introdução à metodologia BIM, essencial para capacitar os colaboradores identificados previamente. Nesta sessão, abordaram-se os conceitos fundamentais do BIM, usos da metodologia, processos associados e tecnologias emergentes — criando uma base comum de conhecimento.

3. Plano estratégico
O plano estratégico delineado inclui três fases principais:
- Analisar: fase para a avaliação do estado atual da entidade, relativamente aos seis elementos fundamentais de uma implementação BIM: Estratégia Organizacional, Usos BIM, Processos, Informação, Infraestrutura e Recursos Humanos. A partir dessa análise, foram definidos objetivos concretos e prioridades de atuação, permitindo estruturar o plano estratégico de forma eficaz e realista
- Alinhar: fase dedicada à definição do nível de maturidade que se pretende alcançar em cada um desses elementos (Figura 4), tendo sempre por base a disponibilidade e a realidade da entidade.
- Avançar: desenvolvimento de um roadmap de implementação, com um conjunto de ações determinantes para a evolução da maturidade BIM. Este documento funciona como uma ferramenta orientadora, permitindo que a autarquia prossiga autonomamente com a implementação de forma estruturada e eficiente.

4. Plano implementação
No plano de implementação são detalhadas as soluções propostas para cada um dos seis pilares fundamentais para a adoção da metodologia BIM. Desta forma, assegura-se uma abordagem integrada e alinhada com a realidade da autarquia.
Entre os elementos mais relevantes deste plano, destacam-se:
- Mapas de processos organizacionais, com integração dos usos BIM nos fluxos internos;
- Definição do fluxo do Ambiente Comum de Dados (CDE) e nomenclaturas de ficheiros, com base na normalização vigente;
- Escolha e calendarização de adoção de software compatível com a estratégia digital definida;
- Seleção do Sistema de classificação da informação;
- Plano de educação e desenvolvimento de competências internas, ajustado ao perfil das equipas envolvidas.

5. Documentação contratual
No âmbito da implementação foram definidos e desenvolvidos alguns documentos contratuais essenciais para suportar a contratação de projetos em BIM, assegurando que os requisitos definidos pela autarquia são cumpridos pelos fornecedores.
Desses documentos, destaca-se o documento denominado de “Requisitos de Troca de Informação” (EIR), que estabelece, de forma clara, a informação que deve ser entregue pelos fornecedores ao longo do projeto, definindo também o nível de informação necessário, tanto a nível geométrico como alfanumérico, por objeto e por especialidade (Figura 6).
Complementarmente, foram também criados os ficheiros IDS (Information Delivery Specification), que permitem a verificação automatizada da informação alfanumérica submetida, assegurando o alinhamento com os requisitos já definidos no EIR (Figura 7).
Por fim, desenvolveu-se um template do BIM Execution Plan – BEP, que os fornecedores devem preencher, quando há um acordo de colaboração estabelecido, detalhando como pretendem cumprir os requisitos definidos no EIR para cada projeto.


Capacitação
Ao longo do processo de implementação, foram promovidas diversas ações de capacitação, fundamentais para garantir que as equipas envolvidas adquiriam, de forma progressiva, conhecimentos sobre a aplicação da metodologia BIM.
Entre estes destacam-se duas sessões:
- Sessão dedicada às ferramentas e potencialidades dos usos BIM definidos. Esta proporcionou uma visão prática sobre os softwares mais adequados e os fluxos esperados, ajudando os participantes a relacionar os conceitos com a sua aplicabilidade real.
- Sessão prática com um visualizador BIM (Figura 8), essencial para quem inicia o contacto com modelos digitais. Esta sessão permitiu que os participantes explorassem a estrutura dos modelos, reconhecendo os objetos e acedendo à informação alfanumérica associada, promovendo um melhor entendimento do potencial que os modelos oferecem.
De forma a envolver os fornecedores da câmara no processo de transição digital, realizou-se uma sessão dedicada ao BIM e ao impacto da sua implementação nas colaborações futuras com a autarquia.

Conclusão
A implementação da metodologia BIM implica uma mudança de paradigma que exige adaptação a novos processos e ferramentas. Apesar dos desafios, como a escassez de tempo ou a necessidade de articulação entre serviços, este processo de implementação na Câmara Municipal de Porto de Mós demonstrou que, com uma abordagem faseada e colaborativa, é possível aplicar esta metodologia no setor público.
Ao longo do processo, não foi sentida uma resistência significativa à mudança, demonstrando que, quando existe vontade e envolvimento, o BIM deixa de ser apenas uma exigência técnica ou processual, para se tornar uma ferramenta estratégica ao serviço das organizações. O envolvimento das equipas e a atitude construtiva foram determinantes para o progresso alcançado.
Assim, após esta implementação, a Câmara Municipal de Porto de Mós está mais capacitada para prosseguir autonomamente a sua estratégia de transformação digital, com a utilização de processos mais integrados e maior fiabilidade da informação.
Numa altura em que o setor público se prepara para responder a novos requisitos legais, é essencial que as entidades percorram esta curva de aprendizagem e façam a sua própria implementação. O mais importante é dar início ao processo e garantir uma evolução contínua e consistente.

