Por João Moutinho
Business Director BUILT CoLAB
Como deve a indústria da construção reagir para lidar com os desafios de uma sociedade mais digital, mais sustentável, mais competitiva e com menos mão-de-obra disponível?
A construção, que engloba edifícios, infraestruturas e estruturas industriais, é a maior indústria da economia global, representando 13% do PIB mundial (McKinsey, 2020).
As empresas que possam ajustar os seus modelos de negócio vão prosperar, as outras que não o façam vão ter muitas dificuldades para sobreviver.
Os desafios:
– Nas últimas duas décadas a construção tem sido caracterizada por um desempenho relativamente fraco. O crescimento anual da produtividade nos últimos 20 anos foi apenas um terço da média total da economia. A aversão ao risco e a fragmentação, bem como as dificuldades em atrair talento digital, abrandaram a inovação. A digitalização é mais baixa do que em quase todas as outras indústrias. A satisfação do cliente é dificultada por ultrapassagens frequentes dos prazos e do orçamento, por longos procedimentos de reclamação e por uma imagem relativamente negativa por parte dos donos de obra;
– A escassez de mão-de-obra qualificada tornou-se um dos maiores desafios da construção. Isto deve-se em parte ao êxodo de trabalhadores para outros países da Europa e agravar-se-á no futuro já que uma parte significativa dos trabalhadores mais qualificados da construção irá reformar-se nos próximos anos. No entanto, vários diagnósticos realizados identificam também que há uma fraca atratividade dos trabalhadores para algumas das atividades inerentes à construção, nomeadamente as relacionadas com o trabalho em obra. Estudos realizados pelas associações setoriais identificam desde já uma necessidade de mais de 70 000 trabalhadores para este setor só em Portugal. A utilização de tecnologias imersivas VR/AR, em contexto virtual e real, habilita novas formas mais eficientes e atrativas de capacitar a mão-de-obra e permitir cenários de treino/assistência remota quer em fábrica (produção) ou em obra (montagem);
– Os requisitos para a segurança no local de trabalho e a sustentabilidade são cada vez mais exigentes. Na sequência do COVID-19, serão necessários novos procedimentos de saúde e segurança. As autoridades Europeias e Mundiais, devido às mudanças climáticas, irão cada vez mais colocar uma pressão sobre a indústria da construção para reduzir as emissões (especialmente considerando que a construção é responsável por mais de 40% da totalidade das mesmas);
– A industrialização da construção será o novo normal. A modularização, a automatização da produção fora do local da obra e a automatização da montagem no local permitirão a industrialização e uma abordagem mais industrial, baseada no produto. A mudança para um ambiente mais controlado será ainda mais valiosa considerando as aprendizagens que aconteceram com a COVID-19 e a forma como o mundo passou a ser mais “digital”. O próximo passo na transição para uma produção eficiente fora do local (“offsite”) passa por integrar sistemas de produção automatizados, essencialmente tornando a construção mais análoga com a fabricação automóvel. Os robots terão de, em fábrica, produzir estes novos produtos modulares (em betão, metal, geocompósitos ou outros materiais), fazer o seu acabamento, verificar a sua conformidade e depois até poderão montá-los em obra. As estimativas apontam para uma diminuição do tempo de construção entre 20 e 50% (McKinsey 2019). É também significativamente mais económico produzir em fábrica (ambiente controlado, melhores condições de trabalho e menor dificuldade em angariar mão de-obra) e montar apenas no local. As estimativas apontam para uma redução de 20% no custo (McKinsey 2019). Menos “rework”, menos custos logísticos, menos desperdício e maior produtividade de mão-de-obra. Esta mudança de paradigma é necessária e gera edifícios de melhor qualidade, a menor custo e com maior sustentabilidade ambiental. A acompanhar tudo isto teremos necessidades de software que facilitem o “design for assembly”, que criem os módulos, que preparem o fabrico, que usem inteligência artificial para tornar tudo mais eficiente, e redes de comunicação de última geração para cooperar, comunicar e gerar dados. Destes dados, extrair-se-á valor para a produção, montagem e até comercialização, tal como se faz há décadas na indústria automóvel;
– As inovações em materiais básicos tradicionais como o cimento será um dos maiores desafios, já que terão de permitir uma redução da pegada de carbono. Materiais mais leves e mais flexíveis, podem permitir uma produção mais simples de módulos na fábrica e irão contribuir para uma logística mais fácil, permitindo o transporte de materiais de longo curso. As características mecânicas dos materiais serão também de crucial importância para novos métodos de fabrico (por exemplo a manufatura aditiva) e para a performance térmica e acústica nos edifícios, por exemplo;
– A digitalização de produtos e processos é um passo necessário e que está já em atraso no setor da construção. As tecnologias digitais podem permitir uma melhor colaboração, um maior controlo da cadeia de valor e uma mudança para uma tomada de decisão mais orientada para os dados. Estas inovações vão mudar a forma como as empresas abordam as operações, o design e a construção, bem como o envolvimento com os parceiros. Edifícios inteligentes e infraestruturas que integram a Internet das Coisas (IoT) aumentarão a disponibilidade de dados e permitirão operações mais eficientes, bem como novos modelos de negócio, como contratações baseadas em métricas de inovação e desempenho (estrutural, ecológico, etc.). As empresas podem melhorar a eficiência e integrar a fase de design com o resto da cadeia de valor, utilizando a modelação de informação de construção (BIM) para criar um modelo tridimensional completo (um “digital twin“) e adicionar mais camadas como o planeamento, o custo, a sustentabilidade e outras.
A Figura 1 ilustra o ecossistema atual e a Figura 2 apresenta o novo paradigma. Por comparação, é possível perceber-se como a industrialização da construção terá de ser o novo normal.
A forma como a construção enfrenta estes desafios irá definir o sucesso deste setor. A industrialização da construção (produção em fábrica e montagem no local, por exemplo) minimizará grande parte dos problemas: maior eficiência, maior competitividade, melhores condições de trabalho (conforto, higiene e segurança), mais atratividade das funções a desempenhar para os trabalhadores, mais facilidade na logística, menores emissões e maior controlo na sustentabilidade ambiental dos processos, mais integração e proximidade com as cadeias de fornecimento e mais facilidade e eficiência na transição digital.
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